Objetos Têm Poder para Curar e Libertar?

Autor: Pr. José Lima de Farias Filho

Nos últimos tempos, intensificou-se o uso de objetos, de elementos materiais nos ritos de cura e libertação espiritual, realizados por algumas pessoas e por algumas igrejas que se intitulam cristãs. Óleo, galho de arruda, copo com água, sal grosso, suco de uva, pedras, peças de roupa, carteiras de trabalho, fotografias, utensílios do culto judaico, enfim, a lista de objetos é ilimitada. Toda essa parafernália está sendo introduzida no culto a Jesus Cristo e, em nome dele, esses objetos são utilizados como "ponto de contato" para que as pessoas sejam libertas e curadas. 

Os introdutores dessa heresia evangélica apresentam dois argumentos:

1) A experiência pessoal: Dizem que, ao orarem, o Espírito Santo, através do dom da profecia, os manda usar esses elementos.
2) A base bíblica: Afirmam que, na Bíblia, há o caso da serpente de metal que curava , do lodo feito com a saliva de Jesus que curava, dos mergulhos em rios que curavam, etc.

Segundo os defensores do uso desses objetos, esses casos escriturísticos dão base bíblica para essas práticas. Diante dessa delicada questão, faz-se necessário analisarmos alguns desses textos para verificarmos se eles autorizam os cristãos usarem esses objetos como meio para pessoas serem curadas e libertas. Segundo Jesus Cristo, a única maneira de não errarmos em nossa vida cristã é verificarmos se as nossas práticas estão de acordo com a Bíblia Sagrada (Mt 22:29; At 17:11).

Sabemos que foi o Espírito Santo quem inspirou a Bíblia inteira; logo, se, no estudo desses textos, as Escrituras Sagradas autenticarem o uso de elementos materiais para curar e libertar, então, realmente foi o Espírito Santo quem mandou esses irmãos usarem esses elementos; mas, se, na análise desses textos, as escrituras Sagradas não autorizarem o uso desses objetos, então estará provado que não é o Espírito Santo quem está orientando esses irmãos, mas, sim, o espírito do erro (I Jo 4:6).

No trato desses assuntos delicados, é importante lembrarmos que sempre que desejamos interpretar as Escrituras Sagradas corretamente, é necessário estudar o texto dentro do seu contexto imediato, amplo, histórico e temático.
Uma outra regra não menos importante é verificar se o texto é normativo ou descritivo. Respeitando essas e outras regras hermenêuticas, o intérprete terá segurança na interpretação das verdades divinas. Analisemos, então, seis desses textos considerados "polêmicos", a fim de constatarmos se a Bíblia autoriza o uso de elementos materiais para curar e libertar as pessoas.

    1 - II Reis 5:10 e 14

        "Então, Eliseu lhe mandou um mensageiro, dizendo: Vai, lava-te sete vezes no Jordão, e a tua carne será restaurada, e ficarás limpo. Então, desceu e mergulhou no Jordão sete vezes, consoante a palavra do homem de Deus; e a sua carne se tornou como carne de uma criança, e ficou limpo."

Contexto:

Israel estava em profunda apostasia; Acabe e Jesabel haviam elameado a fé do povo, a ponto de a feitiçaria assumir o lugar da fé no Deus vivo; morto Acabe, Acazias assumiu o poder; doente, o novo rei deu a seguinte ordem a seus servos: Ide e consultai a Baal-Zebube, deus de Ecrom, se sararei desta doença. Mas o Anjo do SENHOR disse a Elias o tesbita: Dispõe-te, e sobe para te encontrares com os mensageiros do rei de Samaria, e dize-lhes: Porventura, não há Deus em Israel, para irdes consultar Baal-Zebube, deus de Ecrom? (II Rs 1:1-3).

Foi nesse ambiente de enfrentamento da falsa espiritualidade pagã com a verdadeira espiritualidade do Deus vivo que Elias exerceu seu ministério. No lugar desse profeta, Deus levantou Eliseu.

Elias enfrentou a falsa e arrogante espiritualidade interna dos reis de Israel; por sua vez, internamente, Eliseu teria de lutar contra a arrogância espiritual dos reis e dos sacerdotes de Israel, e, externamente, teria de lutar contra a arrogância espiritual dos reis e sacerdotes pagãos. Naamã, por exemplo, comandante do poderoso exército da Síria, cujo rei era Ben-Hadade (II Rs 8:7), com a permissão de Deus, havia tido grande vitória contra um inimigo de Israel; isso o deixou famoso entre seu povo. Por ser comandante de uma grande potência mundial, Naamã pensava que Eliseu iria admirá-lo como um "grande homem", como um "poderoso general", que iria jogar-lhe confetes ou ainda recepcioná-lo, abaixando-se, etc. (v.11); contudo, o profeta de Deus sequer o recebeu; apenas mandou-lhe um recado: "Vai, lava-te sete vezes no Jordão, e a tua carne será restaurada, e ficarás limpo.".

O arrogante general ficou indignado: "Não são, porventura, Abana e Farfar, rios de Damasco, melhores do que todas as águas de Israel? Não poderia eu lavar-me neles e ficar limpo? E voltou-se e se foi com indignação" (v.12). Os rios Abana e Farfar da Síria, eram limpos; suas nascentes estavam nas montanhas alimentadas por colinas; o rio Jordão, de Israel, era barrento, lamacento e sujo, sua nascente era nos vales. Ora, se as águas tivessem poder de curar, certamente Deus usaria as águas limpas da Síria. Como as águas não tem poder de curar e o problema tratado no texto não é a qualidade delas, mas, sim, a arrogância do general sírio, Deus decidiu humilhá-lo, fazendo-o mergulhar num rio lamacento e fedorento, para, depois, curá-lo, não com a água suja, mas com seu imenso poder e sua misericórdia.

E assim foi feito: ao mergulhar sete vezes (o numero que expressa a perfeição, na Bíblia), Naamã aprendeu que só há um Deus perfeito, verdadeiro e Todo-Poderoso, o Deus daquele rio sujo de Israel: "Aí Naamã disse:...de agora em diante eu não vou oferecer sacrifícios e ofertas que são completamente queimadas a nenhum deus, a não ser a Deus, o SENHOR. Mas eu gostaria que ele me perdoasse uma coisa, que é a seguinte: quando eu tiver de acompanhar o meu rei ao templo de Rimom, o deus da Síria, para ali adorar, eu vou ter de adorá-lo também. Que o SENHOR Deus me perdoe por isso! Eliseu disse: - Adeus! Boa viagem!(vv.17-19 NTLH).

Na seqüência, por não conhecer corretamente a Deus e nem o sentido de suas ações espirituais, Geazi, conhecido pelo povo como homem de Deus (v.20), recebeu castigo divino no próprio corpo: a lepra que era de Naamã passou para ele e para seus descendentes (v.27). Nem sempre os que são conhecidos e proclamados pelo povo como "homens de Deus" agem como tais.

Enfim, no texto em questão, o assunto principal não é a água e nem os sete mergulhos de Naamã no rio, mas a luta contra a arrogância da falsa espiritualidade do deus sírio Rimon, representado por Naamã, e a simplicidade da verdadeira espiritualidade do Deus de Israel, representada pela simplicidade das ações do profeta Eliseu.

    2 - Marcos 8:23:

        "Jesus, tomando o cego pela mão, levou-o para fora da aldeia e, aplicando-lhe saliva aos olhos e impondo-lhe as mãos, perguntou-lhe: Vês alguma coisa?"

Contexto:

Ao lermos os versículos anteriores (1-21) e posteriores (27-38) do capítulo 8, verificamos que o texto refere-se à revelação de Cristo como Messias para os discípulos, através de sofrimentos (31). Para revelar, Jesus fez um grande milagre, ao mesmo tempo em que conversou com seus discípulos (1-9), enquanto os fariseus exigiam sinais para o tentarem, o que lhes foi negado com veemência (10-13). Ocorre, porém, que os discípulos não compreenderam espiritualmente as palavras do Mestre e nem a malícia dos fariseus (14-21).

Diante da incompreensão espiritual dos discípulos, Jesus decidiu realizar um milagre em que suas ações pudessem "chocar" aquelas mentes endurecidas: passou saliva nos olhos do cego, impôs-lhe as mãos e curou seus olhos (22-23); mas como o rapaz viu as pessoas e pensou que eram árvores, Jesus voltou a impor-lhe as mãos e o homem passou a distinguir corretamente as pessoas. Primeiro Jesus curou os olhos; depois, a mente, para ilustrar a situação espiritual dos discípulos, ou seja: eles tinham olhos, mas não viam; tinham ouvidos, mas não ouviam o que Jesus falava e fazia (18). Ao forçar a mente dos discípulos com este milagre "diferente", Jesus alcançou seu alvo: os discípulos o reconheceram como o Messias, enviado de Deus (27-29), que, através de muito sofrimento, redimiria a humanidade de seus pecados (30-38).

Desta forma, ao ter cuspido nos olhos do cego, Jesus não estava autorizando a nenhum cristão pegar objetos ou elementos materiais para usar em cultos ou ministrações espirituais, visto que o Messias, Jesus Cristo, já nos foi revelado. Além disso, o texto em questão não é normativo (uma ordem a ser cumprida), mas descritivo (uma narrativa e respeito de um fato).

    3 - Atos 19:11-12:

        "E Deus, pelas mãos de Paulo, fazia milagres extraordinários, a ponto de levarem aos enfermos lenços e aventais do seu uso pessoal, diante dos quais as enfermidades fugiam das suas vítimas, e os espíritos malignos se retiravam."

Contexto:

A leitura dos versículos anteriores (vv. 1-10) e posteriores (vv. 13-40) do capítulo 19, mostra que o ambiente em que Paulo e seus companheiros estão pregando é de profunda idolatria, feitiçaria, espiritismo, etc. Até mesmo os poucos crentes que haviam pela região de Éfeso não sabiam nada sobre o batismo cristão nas águas e nem sobre a pessoa do Espírito Santo e sobre o batismo no Espírito Santo (vv.1-7). Havia, também, uma total ignorância a respeito do reino de Deus (v.8). Não menos intensa era a oposição à verdade (v.9), o que consumiu dois anos da vida do apóstolo com ensinamento bíblico (v.10). Diante de um ambiente profundamente afetado por Satanás," Deus, pelas mãos de Paulo, fazia milagres extraordinários"(v.11).

O falso poder era combatido com o verdadeiro poder, sem a necessidade de elementos materiais. Mas aquelas pessoas vindas do paganismo, da feitiçaria, do esoterismo, do sincretismo, do xamanismo, do animismo, não conhecendo o poder do verdadeiro Deus, pensavam que Paulo era o detentor do poder (como aconteceu em Listra - Atos 14:8-19), e, por essa razão, pegavam os lençóis e aventais de uso pessoal do apóstolo, e crendo que esses objetos tinham sido afetados pelo poder que saía do corpo de Paulo, tocavam o corpo do apóstolo com esses elementos, a fim de serem curadas e libertas (v.12). Os versículos seguintes comprovam o total desajuste espiritual dessa gente (vv. 13-40).

Quem levava objetos materiais diante de Paulo eram pessoas desajustadas espiritualmente, gente perdida no paganismo; os crentes de Éfeso, conquanto imaturos doutrinariamente (vv. 1-7), nunca cometeram tal loucura. O texto deixa ainda bem claro que quem curava as pessoas não eram os objetos, mas Deus (v.11). Portanto, Atos 19:11-12 não pode ser usado como base para os cristãos de hoje levarem para os cultos ou ministrações espirituais peças de roupa, carteira de trabalho, fotografias, copo com água, galho de arruda, etc, a fim de receberem as bençãos de Deus. A fé no poder do Senhor Jesus é suficiente! Além de tudo isso, o texto em questão não é normativo, mas descritivo.

    4 - Números 21:8-9:

        "Disse o SENHOR a Moisés: Faze uma serpente abrasadora, põe-na sobre uma haste, e será que todo mordido que a mirar viverá. Fez Moisés uma serpente de bronze e a pôs sobre uma haste; sendo alguém mordido por alguma serpente, se olhava para a de bronze, sarava."

Contexto:

Ao mandar Moisés fazer uma serpente de metal e levantá-la numa haste, para que os israelitas mordidos por víboras fossem curados, ao olharem para ela, Deus estava lembrando ao povo liberto do Egito que é poderoso para cumprir a promessa feita a Adão e a Eva no Éden (Gn3:14-15); isto é, ser propício aos seres humanos decaídos pela ação da serpente maligna; aquela serpente de metal, didaticamente, ilustrava, de forma profética, um novo tempo que estava chegando, ou seja, a hora em que o ministério da morte perderia a sua força no mundo.

De que maneira?
Através do povo eleito, tirado do Egito, com poderosa mão, para ser luz das nações, Deus pretendia exterminar o reinado da morte.

Mas o povo falhou amargamente, transformando a serpente de metal num Deus: Removeu os altos, quebrou as colunas e deitou abaixo o poste-ídolo; e fez em pedaços a serpente de bronze que Moisés fizera, porque até àquele dia os filhos de Israel lhe queimavam incenso e lhe chamavam Neustã." (II Rs 18:4). Por esta razão, Deus desistiu de usar um povo como instrumento de salvação e enviou seu Filho Amado, o Messias, para cumprir essa missão: "E do modo por que Moisés levantou a serpente no deserto, assim importa que o Filho do Homem seja levantado, para que todo o que nele crê tenha a vida eterna."(Jo 3:14-15).

Portanto, a serpente que Moisés fez, no deserto, não serve de base bíblica para que os cristãos de hoje usem objetos como meios de serem abençoados por Deus. O Messias é o único meio de nos chegarmos ao Pai. A crença em objetos como fonte de poder é doutrina pagã, chamada de Animismo, isto é, a crença segundo a qual as coisas inanimadas têm vida e poder espiritual. O uso de objetos no culto a Deus é uma demonstração de ignorância da parte de quem adora a Deus sem conhecê-lo, como os esotéricos e politeístas atenienses: "Então, Paulo, levantando-se no meio do Areópago, disse: Senhores atenienses! Em tudo vos vejo acentuadamente religiosos; porque, passando e observando os objetos de vosso culto, encontrei também um altar no qual está escrito: AO DEUS DESCONHECIDO. Pois esse que adorais sem conhecer é precisamente aquele que eu vos anuncio." (At 17:22-23).

    5 - Marcos 5: 27-29:

        "...tendo ouvido a fama de Jesus, vindo por trás dele, por entre a multidão, tocou-lhe a veste. Porque, dizia: Se eu apenas tocar as vestes, ficarei curada. E logo se lhe estancou a hemorragia, e sentiu no corpo estar curada do seu flagelo."

Contexto:

Neste conhecido texto de uma mulher com hemorragia, entendemos que nem é necessário usarmos o contexto para explicá-lo, basta prestar atenção no próprio texto para compreendermos que Jesus, compadecendo-se daquela mulher, curou-a, não porque ela tocou nas suas vestes, mas porque tinha fé. E, para que seus discípulos e a multidão não viessem a crer que suas roupas tinham poder de curar, Jesus parou a caminhada e afirmou a mulher: "Filha, a tua fé te salvou; vai-te em paz e fica livre do teu mal." (v.34 - grifo nosso). Foi a fé da mulher em Cristo, não a roupa dele, que proporcionou ao Mestre a satisfação em curá-la.

    6 - Tiago 5:14:

        "Está alguém entre vós doente? Chame os presbíteros da igreja, e estes façam oração sobre ele, ungindo-o com óleo, em nome do Senhor."

Contexto:

As palavras de Tiago estão inteiramente alinhadas com as palavras de Cristo, em Mc 6:13, e, por assim dizer, dispensam o detalhamento do contexto para serem entendidas corretamente. O apóstolo afirma:

    "Está alguém entre vós doente? Chame os presbíteros da igreja, e estes façam oração sobre ele, ungindo-o com óleo, em nome do Senhor. Esta oração da fé, salvará o enfermo, e o Senhor o levantará; e, se houver cometido pecados, ser-lhe-ão perdoados." (v.15 - grifo nosso).

O texto é claríssimo: Quem cura não é o óleo, mas a fé no Senhor, que, por sua vez, levanta o doente. O óleo é apenas um símbolo de que aquele que está aplicando a unção, no caso, o presbítero, é uma pessoa de Deus, como no Antigo Testamento, em que os sacerdotes eram ungidos para serem representantes de Deus.

Conclusão

O que vimos até aqui é suficiente para concluirmos que o uso de elementos materiais em cultos e ministrações cristãs, com o intuito de servirem de "ponto de contato" para despertar a fé das pessoas ou para "fazer Deus agir", não tem nenhum apoio nas Escrituras Sagradas. Quando analisamos os textos, dentro de seus respectivos contextos, todo engano de Satanás cai por terra, diante da veracidade do Evangelho de Cristo. Logo, se a Bíblia não ensina tais coisas, e tendo sido toda ela inspirada pelo Espírito Santo, o Espírito da Verdade, que guia "em toda verdade" (Jo 16:13), concluímos que não é ele quem está falando na vida de quem afirma estar sendo por ele guiado para fazer rituais utilizando elementos materiais como meio de curar e libertar pessoas.

Na Bíblia Sagrada, as pessoas são limpas de seus pecados pelo poderoso sangue de Jesus (I Jo 1:7; I Pe 1:2; Hb 10:19) e curadas de suas enfermidades e libertas de suas opressões pelo poderoso nome de Jesus (Mc 16:17; Jo 14:13, 15:16, 16:23). O próprio Cristo lamenta o fato de muitos de seus seguidores não usarem seu santo nome para pedirem e obterem as bênçãos do Pai: "Até agora nada tendes pedido em meu nome." (Jo 16:24).

Portanto, em quaisquer circunstâncias, sejam elas as mais difíceis e dolorosas, peçamos ajuda do Pai, indo até Ele em nome de Jesus.

"O que disto passar, vem do maligno." (Mt 5:37)

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